terça-feira, 24 de abril de 2012

Diário de um gestor - por Mário Alexandre

Aqui deveria estar um ônibus... mas não está.

Dia 23 de abril de 2012. Estou em minha noite de folga. Dei expediente pela manhã e à tarde. A vice-diretora Cristina, que também esteve comigo pela manhã, assume o trabalho. Na verdade, pela falta de profissionais como porteiro e coordenador de turno, quase todas as noites os dois precisamos estar na escola, fazendo um papel que na verdade não é nosso.

22:12 - Nessa exata hora vi os ônibus saindo com os alunos. Ou com a maior parte deles. Estou vendo tudo, perto de minha casa. Olho o relógio e simplesmente não acredito como os motoristas desobedecem a algo tão elementar como o horário de saída. Alguns se acham os "donos do pedaço" e os relatos de alunos afirmando como são agressivos são preocupantes.

22:30 - Recebo uma ligação da merendeira de nossa escola, preocupadíssima, avisando que um aluno do Arenã, comunidade distante daqui do Centro, foi deixado pelo ônibus. Ele dizia estar sem dinheiro para a volta e sem local para passar a noite. Estava quase chorando.

22:32 - Ligo para a secretária de Educação, mas a ligação dá em caixa postal. Aguardo retorno, mas nada. Ligo novamente, sem sucesso. Eu teria que me virar sozinho mesmo.

22:35 - Ligo para Cristina, que diz que liberou os alunos às 22:10 exatamente pelo temor deles em perder o ônibus. Só lembrando que o horário correto para o término do quinto horário seria às 22:30, mas somos pressionados a liberá-los mais cedo porque, caso contrário, eles saem da aula compulsoriamente e correm para onde ficam os ônibus.

22:40 - Saio de casa. Cai um temporal em São José. Encontro o aluno próximo a uma barraca em frente à escola e peço que entre no carro. Ele diz que já havia estado na casa de um dos responsáveis pelo transporte em São José, mas o filho dissera que ele estava dormindo e não o acordaria. Me disse que não sabia mais o que fazer. Pedi que me acompanhasse, iria tentar um táxi pra deixá-lo em casa, mesmo sabendo que àquelas horas seria difícil encontrar alguém disposto a isso, já que o caminho para o Arenã é reconhecidamente perigoso.

Rodamos bastante até acharmos um taxista. Ele disse estar com a habilitação vencida e não se arriscaria naquele caminho, que de vez em quando tem blitzes policiais. Liga para outro taxista. Ficamos aguardando.

23:30 - Exatamente nesse horário o outro taxista aparece, meio desconfiando com alguém querendo ir para aqueles lados e naquela hora. Explico que sou diretor e detalho a situação para tranquilizá-lo. Ele resolve ir. Diz que a viagem ficaria em 25 reais.

Quando o táxi sai, fico pensando comigo mesmo: meu prejuízo foi de 25 reais, mas o prejuízo maior é exatamente dos alunos, que são obrigados a sair mais cedo para não perder o transporte. Decidi que, daquela noite em diante, liberaríamos os alunos às 22 horas. Não dá pra remar contra a maré, infelizmente. Há ANOS essa situação perdura, sem que ninguém a resolva de forma definitiva. Os motoristas de ônibus, pela ótica deles, fazem um favor em levar os alunos. A impressão é essa. Estamos cansados de levar o caso à Secretaria de Educação e ouvir, sempre, a promessa de que isso vai mudar. Chega. Não quero ficar pagando táxi todas as vezes em que os alunos perderem ônibus.

23:40 - Volto pra casa com a triste impressão de que a educação pública não vai melhorar nunca. Quero crer que seja só impressão, mas os fatos estão aí, me mostrando da maneira mais cruel que o discurso das autoridades é bem diferente de seu compromisso com a população. Há um abismo que separa teoria e prática. Alguém, algum dia, conseguirá uni-las?

Apenas o vazio, onde deveriam estar os ônibus.

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